sexta-feira, 20 de maio de 2011

ENSINO E OPÇÃO DE CLASSE






ESPAÇO ABERTO
Debate de idéias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat- nº89/2011

ENSINO E OPÇÃO DE CLASSE
Roberto Boaventura da Silva Sá
Dr. em Jornalismo/USP. Prof. de Literatura da UFMT
rbventur26@yahoo.com.br
Hoje, falo novamente sobre o ensino de língua portuguesa. Para isso, parto da recente matéria “Livro usado pelo MEC ensina aluno a falar errado”, assinada por Thaís Arbex e “internetizada” no Portal Ig. A Globo também tratou do caso, inclusive no JN.
Arbex afirma que o livro “Por uma vida melhor” (coleção “Viver, aprender”) “mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta da língua”. Os autores do livro – avalizado pelo MEC – usam enunciados, como “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”, para exemplificar que, na variedade popular, “o artigo ‘os’ (no plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Arbex destaca ainda que os autores daquele material “didático” dizem não haver problema em se falar “nós pega...” ou “os menino pega o peixe.”
Durante o tempo que pertenci ao quadro de docentes de um programa de mestrado, vivenciei pelo menos dois momentos complicados nesse sentido. No primeiro, causei desconforto a uma colega visitante que palestrara sobre “preconceitos linguísticos”. Motivo: o título de seu trabalho era “Por que a língua gagueja?” Não sem constrangimento, perguntei se era a primeira vez que ela expunha aquela palestra alhures. Não era. Pensei: como a academia foi abrindo mão de questionamentos básicos entre os pares? Era inconcebível ninguém ter alertado a “pesquisadora” de que ela estava sendo incoerente, pois ela própria estava lançando mão de um “preconceito linguístico” (gagueira) para compor o título de seu trabalho.
No outro momento, um expert da sociolinguistica expôs o conteúdo de seu livro sobre “os humores da língua”. Lembro-me bem do colega: um professor simpático que sempre busca ser engraçado perante o público. Detalhe: escreve bem na modalidade da língua padrão por conta de sua boa formação. Contudo, durante sua conferência, arrancando gargalhadas de estudantes e professores de Letras, fez as mesmas defesas do uso da língua popular. Seus exemplos eram parecidos com os já transcritos. Mas não saciado, o sociolinguista ridicularizava os professores de língua portuguesa que insistiam em ensinar a norma padrão, cobrando, p. ex., os “s” dos substantivos, quando fosse o caso.
Diante de tanto absurdo, ironicamente, eu disse ao colega que também estava disposto a seguir aquelas orientações, desde que ele, já a partir do título de seu livro, escrevesse tudo na modalidade popular, como, p. ex. “os humor da língua”. Perguntei-lhe ainda se ele queria aquele tipo de ensino para seus filhos. O auditório quase veio abaixo. Até hoje não sei como não recebi um bofetão de uma colega (a anfitriã do sociolinguista) imensamente autoritária. Vontade não lha faltou, mas até agora, não veio a público para um debate político e acadêmico. Naquele momento, ela, completamente descompensada, pulou à minha frente aos berros. Quase às babas, gritou querendo saber se eu estava propondo “destruir cem anos de estudos linguísticos”.
Pois bem. A lamentável verdade disso tudo é que os docentes defensores do afrouxamento do ensino da língua, nos cursos de Letras, não querem ver seus filhos aprendendo a modalidade popular; querem vê-los nas melhores universidades e aprovados em ótimos concursos públicos. Todavia, maquiavelicamente, muitos ensinam isso aos filhos dos trabalhadores. Sob o falso discurso de fraternidade, da alteridade, essa é a forma política de como os cínicos da academia encontraram para manter “cada macaco no seu galho”. Herança colonial travestida de pós-moderna? É o que parece ser.

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