sexta-feira, 9 de outubro de 2009

PARA LER E PENSAR!

ESPAÇO ABERTODebate de idéias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat - nº 106/2009.
O MEDIEVAL DO AQUI E DO AGORA
Roberto Boaventura da Silva Sá*

No decorrer da história, é difícil identificar momentos de tranquilidade entre os humanos. Guerras, desigualdades, violência... - tudo produzido por mãos bem visíveis - estão presentes desde idos tempos. Na busca de superar coisas desestabilizadoras do bem-(com)viver, cada época apresenta suas "armas" próprias. Grosso modo, tais armas materializam-se por meio de duas vertentes: ou pela supremacia da racionalidade ou pelos meandros das emoções/sensações.
Quando a racionalidade predomina sobre a dinâmica da vida humana - vista sempre na dimensão social, posto que o humano já nasce para o outro - estudiosos identificam tais momentos como marcados pela influência do antropocentrismo; ou seja, de visão mais humanizada do cotidiano. Já na ocorrência do oposto, é pelo viés das variações místicas que eventuais "respostas" são dadas; aí é a vigência do teocentrismo. Quando é assim, é a vontade de seres superiores (deuses) que prevalece.
A visão antropocêntrica tem coincidido com momentos de grandes avanços científicos, tecnológicos e culturais. Não sem motivos que na virada do século XV para o XVI, na vigência do Renascimento, o Ocidente vivenciou tal perspectiva. Dentre outros gênios, destaco Galileu que, embasado na visão de Copérnico, provou - não sem incomodar - que era o sol o centro do universo, e não a terra. Resultado: foi para os tribunais da Inquisição, por ter contrariado uma lógica que se supunha fosse eterna.
Mas por que estou dizendo isso tudo? Para refletir sobre o que tem predominado hoje. Antes, afirmo que viventes do aqui e do agora, erroneamente, veem-se superiores a quem viveu em épocas passadas. Como o tema de que trato é complexo demais para ser resolvido num espaço de artigo, apenas pontuarei questões que estão me incomodando. Sabendo de antemão que não agradarei a tantos, espero, pelo menos, que alguns compartilhem do mesmo desconforto de que me farto.
De chofre, afirmo: o teocentrismo - à lá Idade Média, ao lado de típica censura da contemporaneidade - tem-se avolumado. Vejamos a mídia. Dos canais abertos de TV, muitos são religiosos. Isso, antes de tudo, ajuda a comprometer a democratização das comunicações, pois reduz a pluralidade das já sofríveis programações das TVs. Nesses canais, as apresentações de cultos são recheadas de teatralizações bizarras: cadeirantes saem pulando; cegos, enxergando; surdos, escutando. Até gay deixa de ser gay! Só não vi ainda transformações à lá o finado Michael Jackson! Enfim, no império do charlatanismo eletrônico, há farsa pra quase todo tipo de "minoria". Quando vejo essas coisas, lamento não ter nascido um pé de ipê amarelo fincado num meio ressequido do cerrado em flor.
Da mídia, adentro, agora, nos corredores das universidades, onde deveriam imperar apenas altas reflexões e grandes debates, advindos do uso extremo da racionalidade. Contudo, a invasão religiosa tem sido constante. A continuar assim, em breve, as universidades poderão voltar a viver o clima dos mosteiros medievais, onde as universidades eram chanceladas pela igreja romana.
Hoje, por todos os cantos, espalham-se convites para encontros com Deus, Budas, Alas e Orixás. Dirão os "politicamente corretos" da pós-modernidade que isso reflete o direito de todos cultuarem o que quiserem. Posso até aceitar o argumento, mas indago: e quando são Coordenações de Cursos que chamam os fiéis para momentos de meditações, visando a encontrar o equilíbrio da existência? Isso também já vale? Aliás, vale dizer que há encontros desses que são realizados com velas espalhadas pelo chão e murmúrios que mais lembram os velhos mantras e outras coisas místicas mais. Os olhos dos participantes, ao invés de bem abertos para o real concreto, estão fechados, vendo apenas o que ordena a imaginação imersa na extrema subjetividade. Flutuações! Aliado a outros e graves problemas, temo que isso já seja mais um ingrediente do começo do fim das universidades.
* Dr. em Jornalismo/USP. É Prof. de Literatura da UFMT

rbventur26@yahoo.com.br


ESPAÇO ABERTO

Debate de idéias – Informativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat - nº 113/2009.

O “DAY AFTER” À PARADA GAY
Roberto Boaventura da Silva Sá*
Dr. em Ciência da Comunicação/USP
Prof. de Literatura/UFMT

A 7ª Parada da Diversidade Sexual foi realizada no último final de semana em Cuiabá. Seguindo tendência de aumento de público de outros lugares, a daqui contou com participação popular mais expressiva do que as edições anteriores: cerca de 40 mil.
Além de interesses econômicos falarem mais alto do que aspectos humanos circunscritos à causa, em princípio, dois motivos explícitos buscam justificar a realização desses eventos: 1º) reivindicar igualdade de direitos civis dos cidadãos homossexuais; 2º) obter respeito da sociedade em relação às diferenças da sexualidade.
Quanto ao primeiro dos motivos – evidentemente, não sem muita luta –, não vejo, num futuro, ser impossível obtenção de pontuais conquistas no campo jurídico e na própria Constituição. Claro que para isso será necessário administrar o abominável moralismo medieval que também – e, paradoxalmente, – vai aumentando por conta do que tenho chamado de “invasão religiosa” desta contemporaneidade, tão cínica quanto alienada. Isso é – sem dúvida – uma pedra no meio do caminho das paradas gays.
Dos espaços eclesiásticos, quantas e quais são as vozes que referendam a igualdade das práticas sexuais diferenciadas? Quem pratica sexo fora dos padrões da sociedade burguesa, amparados pela cultura judaico-cristã, já ouviu algum versículo bíblico de condenação aos infernos. Logo, quanto mais cristão for o país maior será a dificuldade desse reconhecimento; daí a importância da insistente, mas séria luta.
No tocante ao segundo dos objetivos – obter respeito – tenho outras reflexões, advindas de frutos colhidos da realidade. O primeiro relaciona-se à onda de violência que marcou a Parada de SP deste ano, culminando com morte. O segundo, pelo registro de que, em Cuiabá, oito homossexuais já foram assassinados, só em 2009. O terceiro é ter consciência de que a violência, com mortes de homossexuais, aumentou na última década. Portanto, é um triste quadro que se explicita por meio de literais frios números.
Pois bem. A um raciocínio simplista – fora da leitura dialética da sociedade – é difícil entender esse quadro; afinal, se a cada ano o número de participantes aumenta nas paradas gays, como explicar o aumento da violência? Não deveria ser o oposto? Na verdade, com raras exceções, muitos ignoram a realidade; outros nem fazem tais questionamentos. Eis dois grandes e graves problemas a serem enfrentados por todos.
Desconhecer o real e/ou não questioná-lo equivale(m) permitir que o clima de euforia das paradas – provocado pela proximidade de tantos iguais na mesma diferença – crie falsa sensação de irrestrita aceitação social. É um engano. É um perigo. Infelizmente, o “day after” às paradas gays pode não ser tão colorido e tão cheio de plumas e paetês a todos, irrestritamente. Muitos já foram embalados sob acordes de marchas fúnebres, bem apostas às canções “super-fantásticas” dos Balões Mágicos!
Logo, é bom lembrar que a violência é de caráter geral nas sociedades capitalistas, excludentes, por excelência. Por essa lógica ampla e de âmbito macroestrutural, todos os cidadãos estão expostos ao trágico do cotidiano, mas mais especialmente estão os que vivem nas periferias das grandes cidades. Agora, é óbvio, que diante desse quadro propício à violência social, os homossexuais, assim como os negros, os nordestinos em alguns centros urbanos, os judeus et alii estão ainda mais expostos às tragédias. Motivos: a uns, o racismo; a outros, a homofobia.
Infelizmente, não vejo como paradas gays, mesmo superlotadas e alegres, contribuem para minimizar tais problemas; estes estão escondidos em mentes doentias de muitas criaturas. Como leigo, vejo que, contra algumas fobias, os remédios não são 100% confiáveis. Aos homofóbicos, as paradas gays – exageradamente carnavalescas – podem, inclusive, incitar o ódio, encorajando-os a praticar tragédias represadas. E, aqui, lembro: o carnaval, desde sua origem, na Idade Média, não é momento de reivindicação do sério; ao contrário: é tempo dos consentimentos, inclusive, do ato de travestir-se. Fora dele, a tendência é voltar tudo ao “normal”, sobrelevando as punições.
Diante do exposto, a meu ver, devendo-se manter a necessária luta dessa importante causa, as paradas gays só têm efeito prático às mentes já propícias a aceitar o diferente como igual. E nisso, parece que “Maria” não leva vantagem alguma; ou leva?

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